terça-feira, 21 de setembro de 2010

cidades II

Não é que eu invada o 273: a porta simplesmente nunca foi trancada, e muitas vezes está entreaberta.
É sempre um brilho, um barulho, um cheiro que me arrastam adentro, na esperança de uma conversa elucidativa... mas ainda não.

Numa das cômodas, empoeirada e opaca, repousava um objeto, que acredito ser uma maquete de uma cidade, ou uma de suas partes: mas essa deve ser uma interpretação minha antes que a verdade.

A única verdade é que me encantavam suas volúpias, curvas, piruetas e obliquidades, desviando minha atenção para toda aquela falta de linearidade.

cidade lasciva

Imagino que os habitantes de tal cidade seriam, forçosamente, rebeldes. Contra os princípios da geometria tradicional, habitaram o lugar mais deformado pela teoria da relatividade. Contra a gravidade e os ventos, erigiram as estruturas mais esbeltas e enormes lajes em projeção. Com efeito, economia e engenharia erigiam uma cidade espetacular.

Mais uma vez, frustrado, vou embora sem que alguém pudesse de fato dizer de que se tratava.

"Alguns habitantes do mundo estão em movimento; para os demais, é o mundo que se recusa a ficar parado"¹. Desta cidade (que em parte tive de inventar) se poderia inferir o seguinte: dispersos nos desejos e ambições de construir uma cidade mais preocupada com edifícios, instituições e espetáculos que com a vida, a emancipação e a alegria de seus habitantes, estes não têm perspectivas.

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1. BAUMAN, Zigmut. Modernidade Líquida. 1999.

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